Com difícil diagnóstico, dor crônica aumenta complicações emocionais
"Vai passar”, “não dói assim”, “é exagero”, “manha”, “você precisa esquecer e focar em outra coisa”. Quem costuma reclamar com frequência e por muito tempo de dor, já deve ter tido suas queixas minimizadas com algumas dessas expressões. "Achavam que eu estava fingindo, que era frescura, e eu comecei a me calar cada vez mais sobre minha dor para não ter de ouvir essas coisas. Ficava sofrendo sozinha, calada", lembra a dona de casa Maria Antonieta Mota, 56 anos, que desde os 30 passou a sentir as dores intensas derivadas da fribromialgia e chegou a desenvolver depressão e síndrome do pânico por conta do quadro.
Mas até chegar ao diagnóstico, passou por muitos ortopedistas que lhe requisitaram exames de imagem porque suspeitavam se tratar de um problema na coluna. "Sentia dores da ponta do pé à cabeça, sentia muita dor de cabeça. Como eu trabalhava como manicure e cabeleireira, eu imaginei que fosse algo relacionado à minha postura no trabalho, mas nada justificava tanta dor", relembra.Foram anos, muitos exames, consultas e especialistas até ser recomendada a um psicólogo. Por recomendação dele, é que fez um desenho marcando os pontos do corpo em que mais sentia dor, e então foi encaminhada ao Ambulatório da Dor, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia, onde finalmente encontrou o tratamento adequado para lidar com o problema, que lhe impediu de continuar trabalhando como manicure e cabeleireira.
Hoje a dor faz parte da sua rotina, assim como os inúmeros remédios que ela toma há anos para minimizar o sofrimento. A situação é a mesma da administradora Luciana Silva, 35 anos, que no ano passado diagnosticou uma artrite reumatóide. Há quatro anos, ela passou a sofrer dores intensas nas pernas e desconfiava que tinha a ver com complicações no sistema circulatório, problema que acomete sua família.
Ao buscar um angiologista, ele negativou a suspeita e recomendou que ela procurasse um remautologista. Por conta da dificuldade em conseguir uma consulta via SUS, só obteve o diagnóstico preciso quase três anos depois. "Sua vida é outra quando tem dor crônica, e é difícil você assimilar a doença, ainda mais quando ela limita tanto a sua vida de forma tão precoce", comenta Luciana, que não conseguia nem mesmo calçar meias por conta das dores que sentia nos pés.
Viver com dor não é apenas incômodo: é algo que impacta diretamente no bem estar social e emocional do indivíduo, que pode terminar isolado, ansioso ou deprimido, além de afetar a produtividade no trabalho, o apetite e o sono. Por conta de tantas implicações, ha uma especialidade médica que cuida especificamente da dor como doença: a algologia. No entanto, o tratamento geralmente requer a atuação de uma equipe multiprofissional.
“A dor é algo sempre subjetivo, é a dor que o paciente diz que tem. A dor não é medida como a pressão arterial e a temperatura, por exemplo. A intensidade dependerá da sensibilidade do paciente, do histórico de vida e de como essa pessoa aprende a lidar com os traumas”, diz o médico e professor da Ufba Durval Kraychete, coordenador do Ambulatório da Dor do Hospital das Clínicas.
Mesmo subjetiva, é alta a incidência de dor crônica na população brasileira. A Organização Mundial de Saúde (OMS), calcula que a incidência de dor crônica no mundo afete cerca de 30% da população, a maioria mulheres. No Brasil, estima-se que 50 milhões de pessoas sintam este tipo de dor. Em algum momento na vida, 15 a 25% de adultos sofrerão de dor crônica e, em indivíduos acima de 65 anos, este percentual aumenta para 50%. Um estudo feito em Salvador, e publicado há dez anos por pesquisadores da Faculdade Baiana de Medicina, aponta que a presença de dor crônica foi encontrada em 41,4% da população local, predominando em mulheres, idosos, obesos, fumantes e ex-fumantes.
Complicações
Há várias especulações sobre o funcionamento da dor crônica, mas a ciência ainda não consegue explicar por que ela surge, afinal não trata-se do prolongamento de uma dor aguda. De forma geral, que caracteriza a dor crônica é uma dor persistente por mais de seis meses.
Mas o que causa e o que fazer para minimizar as consequências de dores tão persistentes? O diagnóstico não é simples, e o tratamento depende muito de cada indivíduo. São exemplos de doenças associadas à dor crônica a artrite reumatóide, osteoartrite, dor pélvica crônica, alterações da junta têmporo-mandibular e enxaquecas.
No caso de Maria Antonieta, por exemplo, fisioterapia, psicoterapia, hidroginástica e caminhadas deram bons resultados. Tudo isso, aliado ao uso de analgésicos e antidepressivos. Já no caso de Luciana, além dos medicamentos, a conversa com pessoas que sofrem do mesmo problema e a busca por informação foram cruciais para o enfrentamento da doença e para a manutenção da qualidade das suas relações interpessoais.
A a dor e o sofrimento são mais recorrentes, graves e prolongados em mulheres que em homens. Isso porque elas precisam lidar com fatores hormonais, genéticos e sociais, a exemplo da dupla ou tripla jornada de trabalho. A fibromialgia, por exemplo, acomete sete mulheres para cada homem. Sem falar nas cólicas severas - algumas provocam enxaqueca, vômitos e chegam a obrigar a mulher a ir para o hospital por conta das fortes dores durante o período menstrual.
E não há exagero ou frescura em nenhum destes casos. “Ela pode até começar com algo pequeno, mas se não for tratada a tempo, as chances de cronificar são maiores”, alerta Kraychete.
Tratamentos combinados
No geral, as dores iniciam-se a partir de aspectos biológicos, mas podem afetar o estado emocional dos pacientes. Isso ocorre porque depois de vários meses sentindo aquela dor diariamente, mesmo se não houver mais nenhuma causa biológica para a dor, pode ocorrer depressão, ansiedade e pânico.
Por isso, cada vez mais os especialistas têm alertado para a importância de associar alternativas terapêuticas não farmacológicas aos métodos convencionais de tratamento da dor, para alívio de sintomas e reabilitação física. O pilates é uma dessas estratégias. Taíle Bomfim, fisioterapeuta e sócio diretora do Core Studio Pilates, afirma que o maior “aliado” da dor crônica é o sedentarismo.
"As pessoas acabam convivendo com a dor, e tendem a imaginar que o sedentarismo, o repouso, é a melhor solução. O que é um erro. Os exercícios ajudam muito na convivência com a dor. A caminhada é superimportante, assim como os exercícios aeróbicos de baixo impacto. O pilates ajuda muito nisso porque é baseado em princípios, como a concentração, a respiração, o controle, a contração de musculaturas estabilizadoras", explica.
Para ela, a dor muscular, de ganho, não piora a dor crônica. Pelo contrário, a longo prazo, isso vai ser benéfico, já que o paciente passará a condicionar a mente de que deve viver normalmente. Mesmo com dor, é importante exercitar-se, viajar, voltar ao trabalho e manter os compromissos sociais, dizem os especialistas.
PROBLEMAS MAIS ASSOCIADOS À DOR CRÔNICA
Fibromialgia
Artrite reumatóide
Osteoartrite
Dor pélvica crônica
Alterações da junta têmporo-mandibular
Enxaquecas
Cólica menstrual
Fonte: www.correio24horas.com.br